Luiza de Carvalho, de São Paulo
Sancionada na semana passada, a nova lei que regulamenta os estágios no país – a Lei nº 11.788, de 2008 – atinge em cheio os escritórios de advocacia, que terão que fazer uma série de mudanças para se adaptar às exigências da legislação. Grosso modo, a lei tem o intuito de combater estágios fraudulentos – aqueles que servem para dissimular relações empregatícias. Mas, ainda que o estágio nas bancas seja, em geral, reconhecido como uma oportunidade de ingresso no mercado de trabalho, algumas limitações da lei alcançam também o setor jurídico, principalmente em relação à jornada de trabalho e à duração dos estágios.
De aplicação imediata, a Lei do Estágio estabelece que as empresas devem conceder auxílio-transporte e seguro contra acidentes pessoais e dispõe que o custeio desses benefícios não caracteriza vínculo empregatício – entendimento já consolidado na Justiça do Trabalho. Além disso, as jornadas de trabalho dos estudantes ficam limitadas a seis horas diárias – ou 30 semanais – e a duração do estágio não pode ultrapassar dois anos.
A concessão de benefícios é um dos principais argumentos dos críticos da nova lei, que alegam que o aumento nos custos da contratação de estagiários desestimula as empresas. Não é essa, no entanto, a reclamação dos escritórios de advocacia, que em geral já proporcionam esses benefícios, mesmo que não estivessem previstos na antiga Lei do Estágio, de 1977. De acordo com o advogado Renan Aguiar, presidente da comissão de estágio da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), a lei não provocará uma redução no número de vagas nas bancas – pelo contrário. A redução da jornada de trabalho para seis horas diárias pode até mesmo forçar a contratação de novos estagiários. “A lei vai requerer uma adaptação nos escritórios de advocacia”, diz Aguiar.
É justamente o que ocorre no escritório Emerenciano, Baggio e Associados, que possui 110 estagiários nas seis unidades que mantém no país. O escritório, que já concedia férias remuneradas de 15 dias e seguro contra acidentes, vai se adaptar às novas obrigações. A banca prevê um aumento no número de estagiários em 30% em função da redução da jornada de trabalho – e o trabalho dos estudantes terá que ser fracionado, segundo Cristina Buchignani, sócia do escritório. Mesmo com as adaptações, a nova lei não é mau vista pela banca. “O impacto no custo será compensado com os talentos que conseguimos desenvolver”, diz a advogada.
Outro aspecto da lei que deve provocar uma adequação nas bancas é o limite de dois anos de duração dos contratos. Isso porque os escritórios costumam contratar estagiários no primeiro ano da faculdade para treiná-los e, quando se formarem, contratá-los. O TozziniFreire, por exemplo, tem hoje 290 estagiários, dos quais 40 estão na banca há dois anos ou mais. E a chance de efetivação dos estudantes no quadro profissional das empresas é alta. No ano passado, 25 dos 30 estagiários de quinto ano de curso foram contratados e, nesse ano, mais 11. De acordo com o sócio do TozziniFreire, Marcelo Gômara – que foi estagiário da banca por mais de dois anos -, o governo deveria investir na fiscalização de fraudes na área trabalhista ao invés de investir em uma nova lei. “Preparamos o estagiário por anos, não queremos entregá-lo à concorrência”, diz Gômara.
A banca Martinelli Advocacia – que possui 107 estagiários e um total de 350 funcionários – passa pelo mesmo receio. Segundo a advogada Akira Fabrin, hoje a maioria dos estudantes é efetivada ao fim do programa de estágio, mas será difícil efetivar um deles antes que esteja formado. “Será que quando o estagiário estiver mais preparado, os escritórios terão que dispensá-lo?”, indaga. Em geral, as bancas ainda não sabem como vão proceder para se adaptar e muitas ainda estão estudando as novas regras estabelecidas pela nova legislação. Os escritórios Mattos Filho Advogados e Machado, Meyer, por exemplo, preferiram não se pronunciar ainda a respeito.
A preocupação com a manutenção do caráter pedagógico do estágio também consta dentre as obrigações exigidas pela Lei do Estágio. As empresas devem enviar à instituição de ensino a cada seis meses um relatório de atividades desenvolvidas e indicar um integrante de seu quadro de pessoal para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente. No escritório Moreau Advogados, que conta com 20 estagiários, uma saída para garantir que os estudantes desenvolvessem apenas atividades relacionadas à área foi a contratação de funcionários chamados “paralegais”, geralmente pessoas da terceira idade que exercem atividades de rotina que antes ficavam a cargo dos estudantes. “Diminuímos o número de estagiários para que eles se concentrem em funções intelectuais”, diz o sócio Pierre Moreau.
Há ainda uma exigência do artigo 17 da Lei do Estágio que vem causando polêmica: as empresas devem assegurar aos portadores de deficiência 10% das vagas de estágio oferecidas. Para o advogado José Carlos Mota Vergueiro, sócio do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados, que possui 55 estagiários e 200 funcionários, será difícil atender à determinação diante da dificuldade de encontrar pessoas com esse perfil no mercado de trabalho para cumprir a Lei nº 8.213, de 1991, a chamada Lei de Cotas, que reserva vagas para portadores de deficiência conforme o número de empregados das companhias.