Brasil elevou gastos públicos, mas expansão do PIB ficou abaixo da média global
O ambicioso modelo de seguridade desenhado no texto constitucional passou a pesar sobre o Orçamento após o fim da hiperinflação
GUSTAVO PATU
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nos 20 anos que se seguiram à Constituição, a economia mundial dobrou de tamanho, mas o Brasil esteve longe de acompanhar o ritmo: o aumento da renda nacional não passou dos 60% e, mantido o desempenho médio do período, levará mais uma década para completar os 100%. Nos 20 anos anteriores ao texto constitucional, a economia do país teve expansão de 260%.
Em contraste, o Estado brasileiro, em receitas e despesas de todos os níveis da administração pública, cresceu a velocidade poucas vezes observada em países democráticos em tempos de paz. Tornou-se, praticamente sem concorrência, o maior do mundo emergente.
Com a carga tributária na casa dos 36% do PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil ostenta hoje um gasto público que, como proporção de sua economia, se compara à Europa de tradição social-democrata -ainda que, por falta de PIB, a qualidade dos serviços esteja longe dos padrões do Bem-Estar Social europeu.
Nas outras principais economias latino-americanas, México, Chile e Argentina, a arrecadação varia de um quinto a um quarto da renda nacional. Nas duas maiores economias do mundo, EUA e Japão, o percentual não se afasta muito dos 25%. Esse patamar era mantido no Brasil desde o final da década de 60, até a disparada da carga após a redemocratização.
Trata-se do resultado do ambicioso modelo de seguridade desenhado no texto constitucional: saúde de alcance universal, previdência e assistência social vinculadas a um salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas de todos os trabalhadores; todas essas despesas em um Orçamento à parte, com receitas exclusivas.
As diretrizes constitucionais ganharam regulamentações igualmente generosas, como a Loas (Lei Orgânica da Assistência Social) e a emenda 29, que passou a corrigir gastos da saúde conforme variação anual do PIB. O salário mínimo teve seguidas políticas de valorização.
De início, as responsabilidades criadas pela Constituição foram parcialmente neutralizadas pela inflação de quatro dígitos que só foi eliminada em 1994. Como o valor da moeda era corroído a cada dia, bastavam algumas semanas para que novos encargos deixassem de pesar no Orçamento. Ainda assim, o gasto da União cresceu de 13,7% para 16,2% do PIB na primeira metade dos anos 90.
Após o sucesso do Plano Real, a primeira resposta do governo Fernando Henrique Cardoso às pressões por despesas foi o endividamento, o que permitiu manter a carga tributária estável até 1998. Naquele ano, porém, a crise financeira internacional detonada pela moratória da Rússia encerrou os anos de crédito fácil e obrigou o país a iniciar política de aperto fiscal preservada até hoje -e baseada não em corte de gastos, mas em aumento da receita.
O país conseguiu o que se prometia a redução da pobreza e da desigualdade. Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os pobres, 42% da população em 1988, haviam caído a 23% no ano passado. Mais difícil, porém, é relacionar o resultado diretamente ao gasto público.
Estudo publicado pelo Banco Mundial em 2007 mostra que a queda da pobreza após a ditadura foi bem mais lenta que no conjunto dos países em desenvolvimento (China, Índia e Chile). A desigualdade, medida pelo Índice de Gini (de 0 a 1), caiu de 0,616 em 1988 para 0,556 em 2007, segundo o Ipea.