22 ago 2018
Artigo
por Rodrigo de Morais (*)
Se a gente parar para pensar, e montar o quebra-cabeça, dá para entender o ódio que as pessoas que se dizem politicamente corretas sentem pelo Lula. Vejam bem: como pode uma criança nordestina, subnutrida, superar a estatística de que, a cada 10 nascidos, morrem quatro nos primeiros três meses de vida? Este era o cenário de mortalidade infantil na década de 40, no sertão pernambucano, e o ex-presidente, quando criança, superou a estatística.
Como o atrevimento do pequeno sertanejo nunca teve limites, ao chegar ao Sudeste, vindo no chamado pau de arara, o sobrevivente começa a nutrir outro sonho: o de se tornar torneiro mecânico pelo SENAI de São Paulo. E não é que o retirante nordestino, que conseguiu vencer a fome e a miséria, se tornou operário diplomado na cidade grande.
Já operário, sentiu na pele o mesmo que milhões de seus pares sentiam: o peso da exploração do sistema econômico que dominava as relações de trabalho no seu País.
Quando tudo parecia seguir como de costume na vida de um trabalhador, o ousado retirante sofre um duro golpe da vida, perde sua esposa grávida daquele que seria o seu primeiro bebê. Diante desta dolorosa realidade, uma tristeza profunda se apodera do sobrevivente. Eis aí o cenário em que o trabalhador entra em contato com o movimento sindical, no início mais como uma distração do que uma ação consciente.
O retirante resolve ajudar na organização do sindicato da sua categoria. E não é que o danado levava jeito! Tanto que rapidamente se destaca na atividade sindical. Com um perfil enigmático, hora inflamado, hora conciliador, o retirante nordestino demonstra atributos para liderar e vale destacar o talento raro desse sertanejo com o microfone na mão e que, com suas palavras, é capaz de encantar e encorajar a multidão.
Eita operário com pouco estudo, porém muito sabido, como se diz lá no Pernambuco. Torna-se protagonista do maior movimento de trabalhadores no final da década de 1970, um dos momentos mais emblemáticos da vida política do Brasil, pois, ao mesmo tempo em que o novo sindicalismo ganha força e destaque, simultaneamente o movimento pelas eleições diretas cresce na mesma proporção, já que os dois pregavam o fim do regime antidemocrático.
Neste contexto é que o ousado líder sindical resolve junto com seus companheiros formar um partido político, isso já no início dos anos 80, e o projeto não era qualquer partido, era o Partido dos Trabalhadores, o PT. O crescimento foi inevitável, diante da esperança em uma força partidária que representasse o trabalhador e os mais pobres: este era o fio de esperança do povo brasileiro.
O ousado retirante nordestino, o abusado, sem se importar com os que queriam manter ele e seus pares dentro da caixinha da submissão, foi eleito deputado federal, com expressiva quantidade de votos. E, após cumprir seu mandato, em vez de se inibir com os tubarões de Brasília, o sujeito “sem noção” resolveu ser candidato à presidência da República. Imaginem só: o sujeito fora dos “padrões”, candidato a presidente por um partido predominantemente composto por pobres e operários, trabalhadores e ativistas sociais (vale lembrar que teve o apoio da igreja católica e dos intelectuais), é realmente um cabra que ousou demais, num é?
Em 1989 foi derrotado, em sua primeira tentativa em se tornar presidente. Vale lembrar que o seu adversário tinha o povo da comunicação a favor, esse povo sempre foi muito poderoso! Em 1994, perdeu as eleições para o super ministro e sociólogo criador do plano real, responsável pelo controle da inflação e pela estabilidade econômica brasileira, o mesmo que derrotaria o sertanejo novamente em 1998 (vale lembrar que os dois estiveram juntos na campanha das Diretas Já).
É chegado o ano de 2002.
O Brasil conquista o título de campeão do mundo no futebol. Vivenciamos um clima de mudança na política e uma nova onda de esperança envolveu os brasileiros, tanto que em outubro deste ano o “impossível” aconteceu. O sobrevivente da desnutrição e da mortalidade infantil nordestina, que veio de pau de arara para a cidade grande, e lá se torna operário diplomado, o metalúrgico que se tornou líder sindical, o sindicalista que ajudou a criar um partido político e o ousado retirante nordestino se tornou presidente da República. É realmente uma trajetória inacreditável. São nestes momentos que consigo entender uma famosa frase de Nelson Mandela: “o impossível só existe até acontecer.”
Tá explicado! Esta deve ser a razão de tanto ódio. O cara toma cachaça, fala errado, é barbudo e nordestino, estudou pouco…É, pessoal, realmente é muita humilhação este cabra com essas “qualidades” governar o Brasil e, pior, para os que não gostam dele, tornar o País a 5ª economia do mundo. E não é que o abusado ainda pagou a dívida com o FMI (alguns entendidos de economia diziam que era outra coisa impossível) e, imaginem vocês, o Brasil virou até emprestador de dinheiro. Esta foi demais!
Imaginem a cara dos letrados – que se formaram aqui e no estrangeiro – quando abriram a principal revista de economia do mundo com a seguinte manchete “Brasil é a bola da Vez”. Era demais para acreditar. Ah! Vale lembrar também o aperto de mão do homem mais poderoso do mundo, isto para quem considera os presidentes norte-americanos como tais. Disse o respeitável presidente, já na tradução para o português: “Você é o cara!”. Os invejosos surtaram, podem acreditar!
É, povo de “bem”, realmente ficou difícil de aguentar, é muito abusado esse sujeito mesmo, passou de todos os limites. Ele até achou que, pelo fato dos ricos aumentarem suas fortunas no seu governo, os abastados tinham aceitado sua presença na esfera de poder. Só que a ousadia do retirante não tem limites, ele começou com um tal de Prouni, que abriu a possibilidade de um punhado de pobres penetrassem no ambiente das universidades, os operários começaram a formar seus filhos em profissões que até pouco tempo eram consideradas só para os ricos (médico, engenheiro, dentista, veterinário etc.). Ah, não! Comprar o carro, o celular e a TV de última geração pode, pois o dinheiro volta para os ricos mesmo! Agora ir para a faculdade, isso não, sem chance!
Engraçado, eu sempre ouvi e continuo escutando que o principal problema do Brasil é a educação, então porque revogaram a Lei que destinava 10% de uma das maiores riquezas de petróleo do mundo para a saúde e educação! Entenderam agora o principal motivo da tragédia nacional?
E ainda por cima o abusado resolveu que uma mulher seria sua sucessora. Muitos homens “de bem” continuam achando que lugar de mulher é cuidando de casa e não na política. Rapaziada, de uma vez por todas, lugar de mulher é onde ela quiser! E sua sucessora sancionou a regulamentação do trabalho doméstico, que a meu ver era um dos resquícios da escravidão em nossa época.
Irados com este contexto, os adversários armaram um tal de impeachment, que muitos chamam de golpe. Pensa em um negócio fajuto: até o povo da televisão depois veio assumir que não tinha provas para tal procedimento, mas o povo de verde e amarelo nas ruas clamava pela saída da sucessora do ousado retirante nordestino e alguns adversários afirmavam que bastava isto para resolver todos os problemas brasileiros.
Eu sei que as opiniões contrárias vão vir mesmo, então me ajudem a combater minha própria ignorância. Como é que um sujeito que administrava o 5° maior orçamento do mundo (pois recolocou o País neste patamar) e é proclamado aos quatro cantos como o maior ladrão do Brasil (isso se repete em coro nas redes sociais e manifestações de liberais), acusado de ser chefe de quadrilha e organização criminosa, me ajudem a usar o raciocínio lógico, qual criminoso deste porte se contentaria em receber de recompensa, por tais crimes: frequentar um pedaço de terra na periferia de Atibaia e receber como pagamento um apartamento minúsculo no Guarujá? E vale lembrar que o ex-presidente já tinha efetuado o pagamento de 49 prestações de um apartamento menor no 6° andar do mesmo prédio.
Não vamos subestimar a inteligência alheia, se fosse pelo menos em Manhattan…como foi ouvido em um diálogo dentro de trem na periferia de São Paulo.
Calma, não fiquem nervosos comigo! Não tenho bandido de estimação, eu só não posso deixar de registrar meus questionamentos, reflexões e opinião. No meu entendimento, na maneira em que enxergo as coisas, essa biografia, essa trajetória que o texto descreveu não se venderia por tão pouco. O homem que comandava um orçamento bilionário, como já disse em linhas anteriores, o 5° maior do planeta, se sujar por essas duas pequenas propriedades que qualquer pessoa de classe média poderia adquirir e ninguém acharia estranho…(?). Será que o presidente de um País como o Brasil ser condenado à prisão por ser acusado de ter recebido um sítio e um apartamento na praia como propina de um esquema bilionário? Me ajudem, é uma questão de lógica.
Antes de tudo e antes que os leitores se esqueçam, sou trabalhador e pago meus impostos direto no holerite (ou contracheque, como queiram). Façam uma pesquisa no Google e olhem o patrimônio dos maiores bandidos do Brasil e comparem com a armadilha barata em que se colocou o ex-presidente. Enquanto isto, os senhores Michel Temer e Aécio Neves, adversários do povo, foram gravados, pedindo e recebendo dinheiro, podem concorrer nas eleições…pode isto, Arnaldo? Ajudem-me com a minha ignorância e me ajudem a entender essa lógica! Ou vocês não acham estranho o tratamento diferenciado para ambos os casos?
(*) Rodrigo de Morais
diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes e secretário de comunicação da Força Sindical SP
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