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Entrevista
Os metalúrgicos se unem contra a reforma trabalhista
Adonis Guerra
por Sergio Lirio — publicado 27/09/2017 01h00, última modificação 26/09/2017 16h08
Pela primeira vez, diz Miguel Torres, da Força Sindical, os sindicatos superam as divergências e traçam uma estratégia comum contra as mudanças na CLT
Na sexta-feira 29, os sindicatos metalúrgicos darão um passo adiante animador após tantos recuos recentes. Pela primeira vez, os grupos deixarão de lado as históricas divergências ideológicas e as preferências partidárias para anunciar uma aliança inédita: o apoio mútuo às negociações salariais e da convenção coletiva e a adoção de um calendário de manifestações contra a reforma trabalhista.
“A conjuntura exige uma nova postura”, avalia Miguel Torres, presidente da CNTM, uma das confederações nacionais de sindicatos da categoria, e vice da Força Sindical. A plenária nacional, no CMTC Clube, em São Paulo (mais informações aqui), reunirá representantes das sete principais centrais do País. Superar as diferenças e unir forças, acredita Torres, é a única maneira de impedir a ampla adoção pelas empresas da reforma trabalhista, que passa a valer em novembro.
CartaCapital: O que levou os metalúrgicos a finalmente unificar sua pauta de reivindicações?
Miguel Torres: É uma consequência da conjuntura. Os metalúrgicos sempre tiveram divergências ideológicas, que se expressam na divisão da base por várias correntes sindicais. Todas as centrais estão representadas entre os 2 milhões de trabalhadores do setor. Mas o momento exige dos dirigentes sindicais uma nova postura. Durante a tramitação da reforma trabalhista no Congresso, conseguimos superar essas divergências e organizar uma agenda única de mobilização. Essa união foi importante para que pudéssemos apoiar de maneira efetiva as duas greves gerais. Apesar de o movimento sindical não ter conseguido barrar a reforma, foi capaz de mostrar unidade. A experiência nos estimulou a prosseguir no diálogo, até para enfrentar a nova etapa e tentar barrar a adoção das mudanças pelas empresas.
CC: O que os metalúrgicos esperam conseguir de agora em diante?
MT: Neste segundo semestre acontecem inúmeras campanhas salariais. Elas não discutem apenas reajustes. É o momento de debater também as convenções coletivas, de renegociar as cláusulas sociais dos contratos. Será a oportunidade de incluir nas campanhas salariais benefícios retirados dos trabalhadores na reforma aprovada pelo Congresso.
CC: A maioria dos sindicalistas sempre defendeu o negociado sobre o legislado, um dos pontos aprovados na reforma trabalhista. Por que mudaram de opinião?
MT: O movimento sindical não se recusa a negociar. Faz parte da nossa vida. O problema é que a reforma trabalhista gerou um desequilíbrio a favor das empresas. Não existe uma garantia básica para os trabalhadores. Toda negociação, do nosso ponto-de-vista, precisa ser conduzida para ampliar os direitos, não diminui-los. Em lugares nos quais a base é menos organizada, os empregados se tornarão reféns do poder econômico. No momento, o negociado sobre o legislado tende a prejudicar a maior parte dos trabalhadores.
CC: A reforma entra em vigor em novembro. Como será possível enfrentar a sua implementação?
MT: Tentaremos, como disse antes, garantir a manutenção de direitos nas convenções coletivas. Em consequência, planejamos um calendário de mobilização da categoria. No caso de quem já assinou a convenção coletiva, a estratégia será atuar empresa por empresa. A ideia de criar essa unidade entre as centrais sindicais é também nos reaproximar da base, torna-la mais solidária com os sindicatos. Há outras questões em jogo além das negociações salariais.
Queria lembrar o episódio recente no Rio Grande do Norte que envolveu a Riachuelo, do empresário Flávio Rocha. Com o apoio da militância do chamado Movimento Brasil Livre, a Riachuelo passou a perseguir uma procuradora do Ministério Público do Trabalho, que, no seu papel de fiscal, descobriu que a companhia tinha contratos com fornecedores que mantinha a mão-de-obra em condições aviltantes. O relator da reforma trabalhista foi o deputado Rogério Marinho, que saiu com unhas e dentes em defesa do Rocha. A reforma, mostram essas conexões, foi pensada única e exclusivamente para atender aos interesses do empresariado.
CC: Por que tem sido mais difícil mobilizar a população contra a reforma trabalhista do que em relação à proposta de mudança na Previdência?
MT: A estratégia do governo e dos empresários foi muito eficiente. Eles propuseram duas reformas ao mesmo tempo. Para mudar a Previdência é preciso um número maior de votos favoráveis de parlamentares. Enquanto a sociedade debatia a situação das aposentadorias, apressou-se no Congresso a destruição da CLT, que necessitava de um quórum menor para ser aprovada. Além disso, o trabalhador ainda não sentiu os efeitos da reforma.
CC: O que representa essa união dos metalúrgicos para o futuro do movimento sindical?
MT: O efeito até agora é bem positivo. Outras categorias se inspiraram na iniciativa e começam a discutir uma atuação conjunta. No caso dos metalúrgicos, a união não significa um atropelo das centrais sindicais. Ao contrário. Quem tem a ganhar é o trabalhador. Eles terão mais informação e mais segurança na hora de lutar por seus direitos.
Torres: ‘A conjuntura exige outra postura dos sindicatos’ (Foto: Divulgação)
CC: Os movimentos sindicais acreditam na possibilidade de derrubar a reforma trabalhista no Congresso?
MT: Vamos resistir à aplicação da reforma trabalhista em novembro, enquanto nos organizamos para tentar reverter legalmente as mudanças aprovadas pelo Congresso. Há vários abaixo-assinados em circulação em busca de apoiadores suficientes para a apresentação de uma proposta de emenda popular que revogue a reforma. O objetivo é reunir mais de 8 milhões de assinaturas. Qual candidato à presidência da República no próximo ano poderá ignorar um número como este?
Muitos empresários expuseram para mim o receio de adotar as mudanças diante da possibilidade de a reforma ser derrubada em um próximo governo, uma próxima legislatura no Parlamento. A promessa da reforma era acabar com a insegurança jurídica. Aconteceu o contrário. A insegurança aumentou.
CC: Existe alguma margem de negociação com o governo Temer?
MT: É bem difícil negociar com um governo sem respaldo popular. Mas o Temer é o chefe do Estado e não há como deixar de ouvir se aparecer um convite, uma convocatória. Concordar é outra questão. Quando a reforma trabalhista chegou ao Senado, houve uma rebelião dos parlamentares. O governo, para evitar alterações no projeto aprovado na Câmara, prometeu editar uma Medida Provisória para incorporar as sugestões dos senadores. A promessa não foi cumprida. O governo também havia prometido ao movimento sindical uma MP para corrigir alguns pontos e regulamentar as contribuições assistencial e negocial. E até agora nada.
CC: Quais os piores pontos da reforma trabalhista?
MT: A reforma trabalhista chegou ao Congresso com 12 pontos a serem alterados na CLT. No fim, os parlamentares refizeram mais de cem cláusulas. Cito alguns absurdos. A homologação poderá ser feita na empresa, sem a assistência do sindicato ou a presença de um representante da Justiça do Trabalho. As gestantes estarão “autorizadas” a trabalhar em locais insalubres desde que tenham um atestado de um médico de sua confiança. Imagine isso no Brasil.
Quem tem médico de confiança? A empresa poderá contratar um funcionário por um número determinado de horas por semana, sem que este tenha garantia de mais dias ou horas trabalhadas. É o chamado contrato intermitente. Há a terceirização ampla, geral e irrestrita. E permitiu-se ao autônomo atuar em qualquer ramo da empresa, sem necessitar de registro na Previdência e na prefeitura, para pagamento de ISS. A organização no local de trabalho dispensará a participação dos sindicatos. O patrão terá a prerrogativa de escolher os representantes. O banco de horas deixará de ser parte de um acordo coletivo e passará a ser individual. É até difícil listar as medidas mais nefastas.