Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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Trabalhadores na França sequestram executivos em protesto contra crise


Assis Moreira, de Genebra

Uma nova forma de protesto está crescendo a França: o sequestro de diretores de empresas por trabalhadores exasperados com demissões ou fechamento de fábricas, no rastro da crise econômica.

O fenômeno começou em Auxerre, a 150 km de Paris, no fim de janeiro: trabalhadores da Fulmen, fabricante de baterias para carros, sequestraram o diretor-geral e o forçaram a protestar com eles, vestindo uma camiseta com o numero de demissões na empresa.

Desde então, trabalhadores detiveram o presidente da Sony no país, diretores do grupo americano 3M, do construtor de máquinas Caterpillar e da empresa britânica de adesivos Scapa, para contestar planos de reestruturação, buscar melhorias nas indenizações ou simplesmente chamarem a atenção para sua situação.

Executivos do fabricante alemão de pneus Continental, que planeja fechar uma fábrica no interior da França, foram recebidos com uma chuvarada de ovos quando apareceram para um encontro com sindicatos. Tiveram que transferir a reunião para um hotel a 600 km dali por razões de segurança.

O sinal de alerta sobre a radicalização aumentou quando um dos símbolos da elite francesa, François-Henri Pinault, herdeiro do grupo de luxo e de distribuição PPR (Gucci, Yves Saint-Laurent, Fnac etc) ficou cercado dentro de um táxi por uma hora, em Paris, por assalariados inconformados com anúncios de 1.200 demissões.

Até agora, ninguém saiu ferido, ninguém foi preso, e certos analistas insistem que protestos fazem parte da cultura francesa. Centrais sindicais alegam que a detenção é justificável enquanto a integridade física dos patrões não é ameaçada. Existe uma certa simpatia por esse tipo de ação, sobretudo para quem se lembra das barricadas da revolta cultural de maio de 1968. Outros se mostram bem menos entusiasmados e relembram as degolas de monarquistas.

Maurice Lévy, presidente da agência de publicidade Publicis, disse que “no passado agricultores protestavam contra seus senhores. A diferença agora é que os senhores são executivos das empresas”.

A expectativa é que a tensão aumente nas empresas, diante de 8% de taxa de desempregados no país e mais fábricas fechando suas portas, ao mesmo tempo em que se sucedem revelações de enormes remunerações pagas a dirigentes de grandes grupos que se beneficiam de ajuda pública, demissões em empresas que registram lucros e pagam dividendos a seus acionistas, debate sobre “limite fiscal” (14 mil contribuintes milionários que obtiveram restituição de impostos de quase ? 500 milhões).

O clima social tenso é atribuído também a exigências da presidente do Medef (a principal entidade empresarial francesa), Laurence Parisot, de flexibilização para as empresas poderem demitir mais facilmente. A entidade divulgou um comunicado moderado manifestando preocupação com os sequestros de dirigentes. “A crise econômica gera muitos sofrimentos para os assalariados, mas também para os dirigentes de empresas. Não se trata de contestá-los ou minimizá-los. Mas não se pode aceitar o desrespeito da lei. Isso vai para todas as infrações a lei, que se trate de ameaças físicas, de sequestros ou ameaças à segurança de pessoas e de bens”, afirma.

Já a secretária-geral do Partido Socialista, Martine Aubry, uma moderada que tem a confiança da elite, foi incisiva em entrevistas: “Nenhuma violência que atente contra a liberdade de pessoas se justifica, mas a violência social está sendo exercida com tanta brutalidade que pode explicar casos como estes”.

“Há um divórcio entre o povo e as elites”, disse Jean Grosset, secretário-geral adjunto da central sindical CGT, em entrevista por telefone e que indica que a cólera dos assalariados tem sido decidida de maneira espontânea e por causa do desespero. “No passado, já houve invasão de fábricas. Agora, os sequestros são ação de uma minoria, mas refletem o sentimento geral da gente que não aguenta mais a injustiça e acha que não tem mais nada a perder.”

Para o sociólogo Jerome Pélisse, os sequestros “contribuem a dar uma imagem a decisões que vem de sedes distantes, às vezes de companhias estrangeiras, e não se tornaram ainda uma forma popular de protesto na França, mas sua mediatização pode propagá-las”.

O presidente Nicolas Sarkozy, que a princípio reagiu com compreensão, endureceu o tom. “Não deixaremos que as coisas ocorram assim”, disse na terça-feira. Ontem, porém, empregados da Scapa, em Bellegarde, perto de Genebra, sequestraram por 20 horas três diretores que tinham vindo de Londres falar de fechamento da fábrica.

“Mas eles foram bem tratados, receberam até comida”, disse por telefone um dos assessores da prefeitura local, Michael Bossart. Os executivos foram soltos, houve reunião entre as duas partes, mas nenhuma mudança nos planos. O tom subiu também entre sindicatos e a UMP, partido do governo. A “caça aos patrões por uma esquerda radical é escandalosa”, disse o deputado Jean-Michel Furgous.

O caso que mais chamou atenção no exterior foi a detenção de cinco executivos da Caterpillar, encarregados de demitir 733 dos 2.800 empregados em duas fábricas no país. Eles ficaram detidos pelos empregados por 24 horas. Só foram soltos depois de o governo e a empresa prometerem melhoras na ajuda aos que seriam demitidos. A Caterpillar concordou ainda em pagar salários dos três dias de greve. Os diretores partiram da fábrica sob enormes vaias.

Executivos que foram sequestrados tem em comum o fato de evitarem a imprensa. Um dos poucos que reagiu publicamente foi o diretor da Fulmen, mas só depois que sindicalistas disseram que ele tinha sido cercado e levado à manifestação para “protegê-lo”. Ele divulgou uma nota dizendo que tinha sido “humilhado”.