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Brasil e China perdem mais com o colapso da Rodada Doha

Brasil e China são os países que mais perdem com o colapso da Rodada Doha, na comparação com outras nações em desenvolvimento, de acordo com estimativas feitas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, tem lamentado que os países-membros deixaram escapar pelos dedos um pacote valendo mais de US$ 130 bilhões em redução de tarifas agrícolas e industriais ao final de dez anos, se o acordo tivesse sido concluído.

Desse total, US$ 35 bilhões seriam ganhos com a redução tarifária no comércio agrícola. Os outros US$ 95 bilhões viriam com o corte de tarifas de importação de produtos industriais. Pelas contas de Lamy, as nações em desenvolvimento contribuiriam com um terço da redução total e teriam como ganho os outros dois terços.

As estimativas indicam que, nesse cenário, o Brasil teria um beneficio proporcionalmente muito maior no comércio agrícola do que as outras nações, enquanto perderia pouco com a abertura de seu mercado às importações industriais.

O país poderia ter exportações adicionais de cerca de US$ 4 bilhões por ano, pelo que se conclui da metodologia usada pela entidade. O número não fica muito distante da projeção do Icone, instituto ligado ao agronegócio brasileiro, publicada pelo Valor no começo da semana.

O ganho líquido do país teria sido numa proporção mais elevada também na comparação com sua fatia de 1,2% nas exportações e 0,8% nas importações mundiais. Essa conclusão sustenta a postura brasileira de brigar pelo acordo e se distanciar de aliados como Índia e China, que queriam uma margem para frear importações agrícolas maior do que a permitida pelo acordo da Rodada Uruguai.

Está claro que a China, espécie de fábrica do mundo, embolsaria os principais benefícios na área industrial. Mas Pequim alega que também iria contribuir com 50% do total dos países em desenvolvimento em termos de corte nas tarifas industriais aplicadas.

As cifras utilizadas por Lamy levam em conta a reciprocidade menos que total dos países em desenvolvimento na área industrial. Pelos cálculos da OMC, os países ricos fariam cortes médios de 53% nas alíquotas de importação agrícola e de 60% em produtos industriais. Os países em desenvolvimento, corte médio de 20% nas tarifas agrícolas e pouco mais de 50% nas alíquotas industriais.

Nas tarifas realmente aplicadas, os países ricos fariam corte de 48% na agricultura e 46% em produtos industriais, enquanto as nações em desenvolvimento aplicariam redução de 11% na agricultura e de 18% sobre produtos manufaturados. Segundo a OMC, o pacote recusado em Doha proporcionava cerca do dobro das reduções tarifárias acertadas na Rodada Uruguai (1987-1994) e que vigoram atualmente no comércio global.

As interpretações sobre as cifras, em todo caso, continuarão a provocar polêmica. A Argentina, que recusava o acordo industrial, usou números que indicavam um esforço maior por parte dos países em desenvolvimento. Além disso, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) fez outro tipo de análise, concluindo que o custo da redução da receita tarifária, com a liberalização, seria de US$ 60 bilhões em perdas para os países em desenvolvimento.

A OMC não calcula, porém, o impacto mais imediato do fracasso da negociação sobre a expansão do comércio mundial. Economistas argumentam que isso também depende de fatores como confiança do consumidor e do investidor etc., que dificilmente são levados em conta em estimativas desse tipo.

No primeiro semestre, os preços aumentaram e os volumes caíram. Em dólar, o comércio mundial teve alta de 18% -no ano passado, o aumento foi de 15%. Em termos reais, porém, a entidade, mantém a projeção de crescimento de 4,5% nas trocas globais este ano, alta que chegou a 5,5% no ano passado.

Certo mesmo é que, depois do colapso de quarta-feira, nenhum país comemorou. A Índia, no centro da quebra da rodada, já sugeriu retomada das discussões dentro de seis meses, mesmo sabendo que isso é irrealista, pois é quando a nova administração dos EUA estará se iniciando.

Organizações não-governamentais também sabem que países pobres perderam, a começar no livre acesso em mercados ricos e na redução acelerada de subsídios para algodão, que afetam produtores americanos, ou ainda na redução da tarifa sobre a banana importada da América Latina.