Escrito por Ricardo Melo
É SEMPRE assim. A cada crise, lideranças empresariais aproveitam a brecha para falar em “flexibilização de direitos trabalhistas”. Eufemismos à parte, o que se quer é liberdade para demitir com o mínimo de custos -de preferência, sem nenhum custo.
Desta vez, o chefe do coral foi o presidente da Vale, Roger Agnelli.
Teve o mérito de chamar a coisa pelo nome: “medidas de exceção”, nada mais apropriado num momento em que os brasileiros relembram os 40 anos do AI-5. Logo se percebeu que a quartelada antitrabalhista dispunha de farta munição. É o que se depreende da proposta da equipe de Guilherme Afif Domingos, secretário do (Des) Emprego e Relações do Trabalho do governo tucano de São Paulo.
A papelada fala candidamente em medidas para “atenuar o impacto da crise no emprego formal” (mais um eufemismo). O que interessa vem a seguir: “Uma medida provisória estabeleceria entre nós a figura de suspensão temporária do contrato de trabalho […]. Não haveria para a empresa a necessidade de desembolso de verbas rescisórias. O trabalhador cujo contrato fosse suspenso seria considerado tecnicamente como desempregado, teria direito a receber o benefício do seguro-desemprego”.
O documento paulista torce para que a idéia vingue e a exceção se torne regra. No melhor estilo Gama e Silva, prossegue: “Ao longo do ano, os impactos da criação do novo instituto seriam avaliados e as autoridades poderiam examinar a conveniência de sua manutenção para períodos subseqüentes”.
Em bom português, propõe-se que o patronato demita sem gastar com direitos trabalhistas, o Estado conceda uma esmola e, depois, quem sabe, o “tecnicamente desempregado” e a empresa que o demitiu se encontrem por aí. Como o trabalhador irá pagar suas contas neste período (e nos “subseqüentes”…) é um mistério. Sabe-se apenas que não existe no país supermercado, escola ou repartição pública que alivie o orçamento do cidadão que porte um crachá escrito “tecnicamente desempregado”.
Os Estados Unidos de Bush, Madoff, Greenspan & Cia não são, obviamente, nenhum exemplo edificante. Mas lá, pelo menos, os grandes executivos, até para não pegar mal, se dispõem a abrir mão de salários, bonificações e outras benesses durante a tormenta. Claro, muito disso é jogo para a galera: a maioria acumulou gordura para queimar nesta era de vacas magras.
Já os nossos empresários, com as ressalvas de praxe, nem se dão a esse trabalho de relações públicas. Os banqueiros, que nunca lucraram tanto, pedem dinheiro público para não quebrar -e recebem; as montadoras, que nunca venderam tanto, passam o chapéu pelo governo -e recebem; agora, as empresas, sem nenhuma cerimônia, querem carta-branca para demitir a custo zero. É bom se preparar.
RICARDO MELO é secretário-assistente de Redação.