Cibelle Bouças, de Aracaju
24/10/2008
As políticas públicas desenvolvidas pelos governos federais nos anos 90 e 2000 têm tido efeito pequeno ou nulo no combate às desigualdades sociais e entre Estados, concluem pesquisadores de todo o país que participaram do 6º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos (Aber), promovido em Aracaju entre os dias 20 e 22. “A maioria das políticas, sobretudo as voltadas para o setor industrial, estimulam o crescimento econômico, mas reforçam as desigualdades que já existem em vez de contribuir para que diminuam”, afirmou Mauro Borges Lemos, diretor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG). Para o economista, a falha central no Programa Nacional de Desenvolvimento Rural (PNDR) desenvolvida pelo governo Lula desde 2003 está nos princípios que a norteiam.
“Essa política tem um conteúdo basicamente compensatório e desvinculado da política industrial, o que limita as chances de êxito”, diz Lemos. Ele observa que o PNDR foi desenvolvido a partir de uma divisão do Brasil em quatro regiões, com ações prioritárias nas regiões pobres e estagnadas e nas regiões pobres, mas com economia dinâmica. As regiões com renda média e com renda alta, mas com economias estagnadas, ficam fora do plano. “O plano não prevê uma intervenção territorial e a criação de novos centros econômicos, que poderiam contribuir para garantir a fixação da população em suas cidades e reduzir os efeitos da concentração nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro”, afirmou.
O principal resultado dessa política, na avaliação do economista, é a continuidade do fluxo de migração para os centros mais ricos. A população nas regiões mais pobres melhoram o nível educacional, mas a economia continua estagnada. E quem consegue melhorar a sua formação educacional se sente mais seguro para buscar oportunidades nos grandes centros, diz. “Os mais qualificados continuam deixando os lugares pobres para trabalhar nas regiões ricas”, avalia.
Lemos também criticou a forma como se decide a distribuição dos recursos dos fundos constitucionais. “Os fundos deveriam ser direcionados pela oferta e não pela demanda. Se os Estados definem as prioridades em lugar da União, as diferenças permanecem e ganha quem tem mais força no jogo político”, disse o economista.
O professor titular da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA) da USP Carlos Roberto Azzoni também defende incentivos à formação de centros econômicos para ombrear com São Paulo, que apesar dos altos custos para investimento empresarial, ainda segue como a região mais atrativa em termos de rentabilidade. “A criação do Bolsa Família elevou a renda no Nordeste e ajudou a elevar o PIB desses Estados, mas não a ponto de formar um novo centro econômico”, avaliou.
Ele observa que, desde 1939, a renda per capita no Nordeste não chega à metade da renda per capita nacional e, na comparação entre os mapas da desigualdade de 1872 e de 2000 praticamente não existem diferenças. “O que se notou foi um crescimento da região Norte, que triplicou em relação ao PIB nacional, e o Centro-Oeste, que quadruplicou, influenciados pela mineração e agricultura, mas sobretudo pela criação de dois centros, a Zona Franca de Manaus no Norte e Brasília no Centro-Oeste.”
O professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Raul da Mota Silveira Neto considera que a regionalização da produção industrial tem sido um fator decisivo na redução das desigualdades sociais. Em estudo que contempla o efeito da atividade industrial sobre o nível de desigualdade, medido pelo Índice de Gini, no intervalo entre 1985 e 2004 revelou que 43% da redução do índice nos Estados deveu-se à redistribuição do produto da indústria, favorecendo os Estados mais pobres. O movimento do produto gerado pelo setor de serviços também ajudou a reduzir as desigualdades, mas o mesmo não ocorreu com os setores agropecuário, de indústria extrativa e comércio. “Esses três últimos não contribuíram para a diminuição da desigualdade regional do PIB per capita”, observa Silveira Neto.
O investimento em políticas de estímulo à agricultura nas regiões mais pobres, como meio de redução das disparidades econômicas, também foi questionado pelo pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá Anderson Mutter Teixeira. O economista desenvolve pesquisa sobre os efeitos da construção de usinas hidrelétricas na região amazônica, como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E a conclusão é de que a obra, depois de concluída, beneficiará pouco a economia local.
“O objetivo primeiro da construção das usinas na Bacia Amazônica é gerar energia para as indústrias do Sudeste, devido ao medo de futuros apagões”, observa. Para os Estados do Pará e Mato Grosso, as usinas beneficiariam a produção agrícola por conta da construção de hidrovias no Rio Madeira, previstas no projeto. “Mas será mesmo que o agronegócio é a melhor opção para gerar riqueza e melhorar a distribuição de renda na região?”, questionou Teixeira.
O professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Roraima Pedro Marcelo Staevie observou que as capitais da região Norte estão situadas entre aquelas com os maiores níveis de desigualdades sociais. À exclusão de municípios que têm como principal atividade a a extração madeireira (Rondônia), a extração mineral (Pará) e a produção industrial (Amazonas), a maioria depende fortemente da economia do setor público e de programas de repasse de renda, como o Suframa e o Bolsa Família. Portanto, não possui uma economia dinâmica que permita a ascensão econômica das famílias de baixa renda.
A pesquisadora do programa de pós-graduação da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Rosângela dos Santos Alves Pequeno, que pesquisa os limites de desenvolvimento regional no Nordeste, ponderou que os programas de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, contribuem para reduzir o número de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza e contribuem para reduzir os níveis de desigualdade.
Mas a falta de programas de estimulo à atividade industrial na região dificulta a dinamização da economia e a formação de uma classe média mais ampla.
O pesquisador da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Pernambuco Leonardo Alves de Araújo acrescenta que o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FNDE), principal fonte de renda da Sudene, tem orçamento para 2008 de R$ 1,2 bilhão, um quarto do orçamento do Bolsa Família para o Nordeste.
“E não se pode deixar de notar a quase coincidência de datas; pouco tempo depois da Sudene ser extinta, as transferências de renda diretas foram unificadas e massificadas no programa Bolsa Família”, diz. Para o pesquisador, a melhoria de vida da população com o programa é inegável. “Mas uma economia baseada em transferências de renda nunca deixará de ser uma economia de baixa renda por habitante, nunca levará a um desenvolvimento sustentável e a uma independência econômica”, pondera.
A repórter viajou a convite da Aber