Escrito por Ana Carolina Saito e Liliana Lavoratti
O mercado de trabalho já dá sinais de arrefecimento, acompanhando a redução do ritmo de crescimento da economia. Embora seja difícil prever a proporção dos impactos da crise norte-americana no emprego e na renda em futuro próximo, o quadro não foge às perspectivas problemáticas de um cenário macroeconômico de recessão mundial e suas repercussões no Brasil – de uma expansão mais modesta do Produto Interno Bruto (PIB).
O processo de desaceleração do mercado de trabalho está em curso, mas deve ficar mais evidente a partir último trimestre deste ano, diz o economista da LCA Consultores Fábio Romão. De maio para agosto deste ano, afirma, a taxa mensal de crescimento do estoque de ocupados já caiu de 4,6% para 3,7%. E, segundo projeções da consultoria, a sua expansão anual deve passar de 3,4% em 2008 para 2,35% no próximo ano. “Isso é efeito dos desdobramentos da crise norte-americana e também da elevação da taxa de juros”, ressalta.
Crescimento modesto
O crescimento mais modesto terá reflexos na evolução da taxa de desemprego País. Após expressiva redução de 9,3% em 2007 para os 7,8% estimados pela LCA neste ano, a média anual deve voltar a subir para 8,5% em 2009.
O volume de empregos formais gerados no próximo ano será ainda robusta, mas bem inferior aos 2 milhões estimados para 2008. A expectativa da consultoria é de que sejam criados no País em 2009 cerca de 1,4 milhão de postos com carteira assinada. “Há desdobramento na qualidade do emprego”, comenta Romão.
Na previsão preliminar do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), no melhor cenário – em que o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano ficaria entre 4,5% e 5% frente a 2008 -, o número de postos de trabalho formais cairia para cerca da metade dos 2 milhões de novas vagas criadas neste ano.
Se o rebatimento da crise financeira global, entretanto, for muito grave para o Brasil, a geração de novas vagas seria menor ainda e o desemprego voltar até mesmo a crescer, enfatiza o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lucio. “Mas para isso ocorrer somente no caso de se instaurar no País um clima forte de insegurança também em relação ao mercado interno e as empresas interromperem seus planos de investimentos e começarem a demitir”, ressalta.
Rendimentos
Dentre as probabilidades, esse quadro é o menos provável, pois significaria que o Brasil seria tão atingido pelos efeitos negativos da crise financeira global quanto os países europeus. O mesmo raciocínio vale para o comportamento da renda nesse cenário permeado de incertezas. “Se os empregos deixarem de crescer ou serem encolhidos, o crescimento da renda, que vinha num ritmo bom, também será afetado”, acrescenta o diretor do Dieese. E, junto com isso, é preciso considerar a restrição do crédito. “Um automóvel, que antes da crise era financiado em 80 meses sem entrada, agora é vendido em 60 meses e com entrada”.
Na avaliação de Romão, da LCA, a taxa de expansão de rendimentos não deve apresentar uma queda tão significativa como a de ocupação. A previsão é de uma variação de 2,5% em 2009, ante 2,6%. Segundo o economista, dois fatores contribuem para este cenário: o reajuste maior do salário mínimo, comparado a 2008, e uma menor pressão inflacionária.
Na opinião do diretor do Dieese, embora no momento seja quase impossível medir com algum grau de precisão o quanto a renda e o emprego dos trabalhadores brasileiros serão prejudicados pelo que está sendo chamado de estouro da bolha hipotecária nos Estados Unidos, não é difícil de imaginar que o impacto variará conforme o setor. “E tudo indica que os setores com ênfase nas exportações vão sofrer mais, mas a redução no volume das exportações e nos preços poderá ser compensada, em parte, pela desvalorização do real frente ao dólar”, comenta Clemente.
Ao contrário de alguns analistas que avaliam como negativo para o Brasil, numa travessia como essa, o fato de a pauta de exportações ser muito concentrada em produtos primários e semi-elaborados, o diretor do Dieese vê nisso um ponto positivo neste momento. “Com recessão nos países desenvolvidos, o consumo será menor, mas eles vão continuar demandando alimentos, isso não tem como comprimir muito”, afirma. Segundo ele, mesmo com desaceleração da economia nos Estados Unidos, Europa e China, essa parte do mundo não vai reduzir drasticamente a demanda por soja, arroz e ferro.
Por isso, de imediato, o que está sendo afetado mesmo é a expectativa, e isso vai resultar em problemas concretos para a economia, caso isso não se reverter em breve. “Empresário segurando ou adiando seus investimentos e contratos agora por conta de imaginar que a demanda interna vai cair, de fato lá na frente pode ter conseqüências concretas negativas”, ressalta Clemente. De qualquer forma, ainda é cedo e é preciso esperar. “Emprego e renda em 2009 vai depender também do comportamento do consumidor interno. Agora não dá para saber se os brasileiros vão gastar menos no Natal e nas festas de final de ano por medo da crise”, comenta.
Gazeta Mercantil