Home Notícias Direitos da Classe Trabalhadora Simples Trabalhista: revelado teor precarizante do projeto
06 jun 2013
Direitos da Classe Trabalhadora
DIAP
O precarizante PL do simples trabalhista está na pauta da Câmara e precisa ser rejeitado
Maximiliano Nagl Garcez*
1. Síntese do projeto É na prática uma enorme e altamente precarizante Reforma Trabalhista. Sugiro ao movimento sindical que trate a necessidade de rejeição do PL 951/11, do Simples Trabalhista com prioridade alta.
O projeto “institui o Programa de Inclusão Social do Trabalhador Informal (Simples Trabalhista) para as microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o art. 3º da Lei Complementar 123 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), de 14 de dezembro de 2006, na forma que especifica”.
O projeto é altamente precarizante, e seria aplicável à grande maioria dos trabalhadores brasileiros. Desde janeiro de 2012 o teto de faturamento das empresas no Supersimples é de R$ 3,6 milhões por ano. Ou seja: se aprovado o Simples Trabalhista, o número de trabalhadores com “direitos de segunda classe’ será enorme.
Está na pauta da reunião ordinária da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comérico da Câmara de Deputados e poderá ser votado na próxima semana.
2. Precarizações propostas As espécies de precarização são divididas em 3 grupos. Cito os itens mais graves:
a) Precarizações por lei, aplicáveis a qualquer trabalhador de microempresa ou empresa de pequeno porte:
– criação de uma negociação coletiva específica e precarizante; os acordos ou convenções coletivas específicos feitos pelas microempresas e empresas de pequeno porte se sobrepõem a qualquer outro de caráter geral.
– diminuição radical do depósito recursal na Justiça do Trabalho; o projeto portanto estimula os abusivos recursos protelatórios e beneficia os empregadores que descumprem a legislação trabalhista;
– permite-se a adotação da arbitragem – o que na prática inviabiliza a atuação da Justiça do Trabalho;
– contratação por prazo determinado em qualquer circunstância (hoje o art. 443 da CLT permite tal contrato somente em condições específicas, como o contrato de experiência, ou em atividade com efetivo prazo reduzido);
– redução da alíquota do FGTS de 8% para 2%; outra consequência de tal redução é a diminuição do valor a ser recebido na rescisão trabalhista, em caso de despedida por iniciativa do empregador, pois a multa de 40% sobre o saldo do FGTS também incidiria sobre base de cálculo muitíssimo reduzida.
b) Precarização por acordos e convenções:
– fixar um regime especial de piso salarial, inferior ao contido nas convenções coletivas; segundo o projeto, “Um piso que é razoável para as grandes empresas geralmente é exagerado para as microempresas e empresas de pequeno porte. O pagamento de pisos fixados em níveis muito altos de negociação constitui um sério fator de constrangimento de contratação formal nas microempresas e empresas de pequeno porte.”
– banco de horas, sem adicional de horas extras;
– PLR precarizado;
– autorizar o trabalho em domingos e dias feriados sem permissão prévia da autoridade competente.
c) Precarização por por acordos individuais
– fixação do horário de trabalho durante o gozo do aviso prévio;
– parcelar o 13° salário em até 6 vezes;
– fracionar o período de férias em até três períodos.
3. Desnecessidade do projeto As microempresas e empresas de pequeno porte já obtiveram, por meio da Lei Complementar 123, de 2006, inúmeras facilidades, no que tange a questões trabalhistas.1
4. Tramitação do PLP 123, de 2005 Em 2005 e 2006, durante a tramitação do PLP que deu origem à referida Lei Complementar 123, o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) defendia a inclusão de vários dos dispositivos que hoje estão contidos neste projeto do deputado Julio Delgado (redução do FGTS, arbitragem, redução do depósito recursal, dentre outros). Felizmente, para os trabalhadores brasileiros e para a sociedade, tal tentativa não foi bem sucedida
5. A flexibilização dos direitos trabalhistas proposta no Simples Trabalhista não gera empregos O mecanismo apresentado pelos defensores do cerceamento dos direitos trabalhistas no Parlamento brasileiro reside na apresentação de um falso dilema: o binômio defesa dos direitos trabalhistas, e, em conseqüência, o suposto recrudescimento do desemprego versus a flexibilização e supressão dos direitos trabalhistas, que trariam o desenvolvimento econômico, o aumento da competitividade e a geração de empregos.
Tal “dilema” é resultado de mentiras repetidas à exaustão pela grande mídia. A empresa, para ser eficiente, não precisa necessariamente da redução dos direitos trabalhistas e do poder para oprimir o trabalhador do modo que bem entender. A flexibilização laboral visa efetivamente permitir que as empresas possam contratar mais empregados? De que modo sentido a adequada tutela dos direitos trabalhistas prejudicaria o desenvolvimento econômico da empresa e do Brasil? O que vimos nos últimos anos em nosso país é exatamente o contrário. Por exemplo: a política de aumentos reais do salário mínimo serviu para incrementar o consumo das famílias e por conseguinte acelerar o desempenho da economia, gerando mais empregos. E foi principalmente a força do mercado consumidor interno que permitiu ao Brasil sair da grave crise internacional de 2008 de modo muito mais rápido e menos doloroso do que os países que adotavam à época o receituário neoliberal.
Não há qualquer estudo que demonstre a correlação entre flexibilização de direitos laborais e aumento no número de postos de trabalho. O exemplo histórico de países como a Argentina e a Espanha, que implementaram reformas em sua legislação trabalhista nos anos 90, com ênfase no trabalho temporário, é evidência do contrário. Tais países instituíram em seus ordenamentos jurídicos diversas formas de precarização das condições de trabalho e redução dos seus custos; seus resultados foram um incremento radical da rotatividade de mão de obra e uma substituição da modalidade contratual de tempo indeterminado pela temporária. Tais medidas fracassaram e a taxa de desemprego manteve-se num patamar próximo dos 20%.
6. Prejuízos para os trabalhadores e para a sociedade Além de não gerar empregos, a aprovação do Simples Trabalhista traria uma série de prejuízos os trabalhadores e à sociedade.
Ocorreriam necessariamente impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS, tendo em vista que os salários e benefícios dos trabalhadores precarizados pelo Simples Trabalhista seriam menores que os trabalhadores com contratos plenos. A diminuiação na arrecadação da Previdência Social, bem como dos montantes depositados no FGTS (usados primordialmente para saneamento básico e habitação), prejudicam a todos. E a diminuição no poder aquisitivo dos trabalhadores também acarretaria menos consumo, e por consequência menos crescimento da economia.
A existêncai de uma legião de trabalhadores precarizados e “de segunda linha” (o que é na prática o que se propõe no Simples Trabalhista) traria também prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados pelas empresas que adotassem tal sistema.
Haveria também o incentivo à criação de micro e pequenas empresas, desmembrando médias empresas, a fim de poder participar do Simples Trabalhista.
E parece-me ilegal a discriminação entre os trabalhadores em geral e os trabalhadores que fossem contratados pelo Simples Trabalhista, com salários mais baixos, jornadas mais longas e precarização das demais condições de trabalho.
Finalmente, ressalto os prejuízos sociais do Simples Trabalhista. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a presença de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda sociedade, corroendo as relações sociais e degradando o trabalho: “Com as novas regras da livre concorrência, a insegurança da vida sentimental se estendeu à vida profissional. Qualquer parceria se tornou precária. A presença do outro não mais suscita apelo à colaboração, mas sim desejo de instrumentalização. Tornamo-nos uma multidão anônima, sem rosto, raízes ou futuro comum. E, se tido é provisório, se tudo foi despojado da dignidade que nos fazia queres agir corretamente, quem ou o que pode apreciar o “caráter moral” de quem quer que seja? Na cultura da “flexibilidade”, como reza o jargão neoliberal, ou fingimos acreditar em valores que não mais existem ou acreditamos, verdadeiramente, em miragens – e a alienação é ainda maior. Isolados do público, pela paixão dos interesses privados, e dos mais próximos afetivamente, pela degradação do trabalho e pela volubilidade sentimental, erramos em direção ao nada ou a qualquer coisa.” (COSTA, Jurandir Freire. Descaminhos do caráter. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1999. Caderno Mais!, p. 3);
Ao fim e ao cabo, a própria dignidade do trabalhador do Simples Trabalhista seria violada, em um contexto social tão degradado, desgastando o tecido social e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática: “Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
7. Conclusão Em vista do exposto, sugiro ampla mobilização do movimento sindical, a fim de que o que projeto seja rejeitado na Câmara dos Deputados. Veja a lista dos deputados e deputadas integrantes da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara de Deputados. Basta clicar sobre o nome de cada parlamentar para ter acesso a seus endereços, fones e emails.
Convém que os trabalhadores, dirigentes sindicais e ativistas em defesa dos direitos dos trabalhadores e da sociedade entrem em contato com urgência com os parlamentares da CDEIC, alertando-os para a necessidade de rejeição do projeto.
(*) Advogado e consultor de entidades sindicais. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (Alal). Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-bolsista Fulbright e pesquisador-visitante na Harvard Law School. max@advocaciagarcez.adv.br _____________________________________________
[1] “Art. 50. As microempresas e as empresas de pequeno porte serão estimuladas pelo poder público e pelos Serviços Sociais Autônomos a formar consórcios para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho. Art. 51. As microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas: I – da afixação de Quadro de Trabalho em suas dependências; II – da anotação das férias dos empregados nos respectivos livros ou fichas de registro; III – de empregar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem; IV – da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”; e V – de comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas. Art. 52. O disposto no art. 51 desta Lei Complementar não dispensa as microempresas e as empresas de pequeno porte dos seguintes procedimentos: I – anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS; II – arquivamento dos documentos comprobatórios de cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, enquanto não prescreverem essas obrigações; III – apresentação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP; IV – apresentação das Relações Anuais de Empregados e da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED. Parágrafo único. (VETADO). Art. 53. (REVOGADO). Art. 54. É facultado ao empregador de microempresa ou de empresa de pequeno porte fazer-se substituir ou representar perante a Justiça do Trabalho por terceiros que conheçam dos fatos, ainda que não possuam vínculo trabalhista ou societário. Art. 55. A fiscalização, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental e de segurança, das microempresas e empresas de pequeno porte deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situação, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento. § 1º Será observado o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. § 2º (VETADO). § 3º Os órgãos e entidades competentes definirão, em 12 (doze) meses, as atividades e situações cujo grau de risco seja considerado alto, as quais não se sujeitarão ao disposto neste artigo. § 4º O disposto neste artigo não se aplica ao processo administrativo fiscal relativo a tributos, que se dará na forma dos arts. 39 e 40 desta Lei Complementar.”
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