No ano passado, os líderes sindicais compartilhavam um discurso afinado: mantido o ritmo acelerado da economia e a falta de qualificação de trabalhadores como “trava” para maiores contratações, nem uma taxa de inflação mais salgada seria capaz de evitar grandes ganhos nos salários. As negociações salariais das categorias com data-base até maio, contudo, derrubaram essas expectativas.
Diante do aumento da inflação (a taxa acumulada nos 12 meses terminados entre abril e maio passou de 5,3%, em 2010 para 6,3% neste ano), nem mesmo a dificuldade em recrutar trabalhadores faz as companhias cederem acordos maiores. Também apareceram as primeiras categorias que aceitaram acordos quase só repondo a inflação, como os têxteis de Brusque em Santa Catarina.
“Um aumento de 7%, na folha de pagamentos, é alto em qualquer cenário. Só que com inflação em 5%, os empregados ganham 2% de aumento real, quando a inflação bate em 7%, ficam sem”, resume o empresário José Carlos Ribeiro, presidente do Sindicato do Comércio Varejista no Estado de Goiás (Sindilojas), onde trabalham 120 mil comerciários, que receberam 7,31% de reajuste – ou 1% real. Segundo o empresário, a inflação serve de “ponto-chave” na negociação – para os trabalhadores, é o ponto de partida, mas para os empresários, é “quase o teto”.
O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Fiação, Malharia, Tinturaria Tecelagem e Assemelhados de Brusque (Sintrafite), em Santa Catarina, fechou acordo coletivo com reajuste de 6,5% com data-base em 1º de maio. O percentual correspondeu praticamente à inflação do período, e empatou com o conquistado no período anterior, mas a inflação era quase 1 ponto percentual menor.
O setor têxtil enfrenta dificuldades na região com o fechamento de empresas e atrasos de salários, situação deflagrada com o aumento dos preços do algodão. Com data-base em maio, os trabalhadores da indústria metalúrgica de Joinville ainda negociam o reajuste. A categoria reúne cerca de 18 mil trabalhadores na região.
No setor público paulista, o cenário de inflação mais alta torna o trabalho do sindicato “ainda mais difícil do que já era em anos de inflação baixa”, segundo Renê dos Santos, presidente da entidade que representa os funcionários públicos em companhias como Sabesp e Cetesb. O acordo do ano passado circula, até hoje, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), envolvendo uma demanda de reajuste de 1,5% acima da inflação.
Após assistir às dificuldades encontradas por sindicatos de trabalhadores para negociar ganhos muito superiores à inflação neste começo de ano, as categorias que negociam em abril e maio procuram saídas. “Se é para ficar só na inflação, que seja então o IGP-M”, diz Altino Prazeres, presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, em referência ao Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que já acumula alta de 14% nos 12 meses terminados em abril. É o dobro da inflação medida pelo INPC, índice mais usado nos acordos salariais no país.
A falta de qualificação dos trabalhadores atinge diversos setores, sendo mais dramática na indústria, onde 94% dos 1,6 mil fabricantes consultados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em pesquisa recente, definiram a falta de qualificação como principal fator limitante para aumento da produção.
Em áreas como transporte, há dificuldades para atrair desde motoristas de caminhões, para movimentação de carga, até condutores de ônibus para transporte público. De acordo com a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (ANTC), haverá um déficit de 120 mil caminhoneiros neste ano. Em Curitiba (PR), as concessionárias de transporte coletivo estão qualificando os cobradores, após o expediente, de forma a torná-los motoristas de ônibus, diz o Sindicato dos Motoristas de Curitiba.
Pressionadas pela demanda por motoristas, as empresas cederam um reajuste pouco superior ao do ano passado aos 1,1 mil cobradores de ônibus de Florianópolis (SC). As negociações ainda não foram concluídas, mas as companhias já ofereceram reajuste de 8% nos salários, o que resultaria em alta de 1,7% acima da inflação – no ano passado, o reajuste de 6% contou com alta de 1,3% além do INPC.
“Acho que ainda podemos conseguir mais, porque como todos os setores estão crescendo, muitos cobradores estão pensando em mudar de profissão e também ganhar mais”, diz Marciano Rodolfo da Silva, secretário de organização do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte da Grande Florianópolis.
Os quase 800 mil trabalhadores na construção civil de São Paulo devem ter conhecer hoje a contraproposta das empresas para o reajuste salarial. O pedido é de um aumento de 10%, entre reposição da inflação e ganho real. Segundo Haruo Ishikawa, vice-presidente de relações do trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP), o acordo levará em conta “uma inflação mais alta, que nos atrapalha muito”, e as “constantes matérias publicadas nos jornais mostrando que há falta de qualificação dos trabalhadores”. Segundo ele, essas informações “atrapalham” porque dão ao sindicato o poder de barganhar salários maiores.
Para Sergio Mendonça, supervisor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese), os sindicatos não devem esperar reajustes reais tão elevados quanto os conquistados em 2010. “A inflação está mais alta, e, no acumulado em 12 meses, pode beirar 7,5% no meio do ano. Ficará difícil colocar 3% real, como no ano passado, porque nesse caso os reajustes seriam todos de dois dígitos”, avalia.
Segundo Mendonça, no entanto, trata-se de um “boa dificuldade”. “A economia continua crescendo e gerando empregos, e a inflação tende a recuar a partir do segundo semestre. Não se trata, portanto, do governo apertar a mão e derrubar o crescimento”, diz. (Colaborou Julia Pitthan, de Florianópolis)