A feroz concorrência chinesa no mercado brasileiro causa grandes estragos a empresas que produzem bens manufaturados com características de “commodities”. Em segmentos como válvulas industriais, elevadores e ferramentas, os produtos mais simples e padronizados têm sido duramente atingidos pela competição asiática. Para sobreviver, muitas companhias passam a importar o que antes produziam ou compravam de outras empresas no país, reduzindo o número de empregados. O câmbio valorizado, o peso dos impostos e o alto custo do capital e da mão de obra complicam a vida desses setores, dizem empresários.
Presidente da câmara setorial de válvulas industriais da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Pedro Lucio diz que, dos 72 associados, 80% já importam 100% do que vendem. Em 2005, esse percentual era de 40% a 50%. Segundo ele, são empresas que atuam no segmento de “válvulas-commodities”, uma referência a produtos padronizados e com baixo valor agregado. Nesse segmento, o produto chinês é 60% mais barato que o brasileiro. “Com essa diferença de preços, as empresas brasileiras não conseguem concorrer.” O setor, que tinha cerca de 13 mil empregos em 2008, emprega hoje cerca de 7 mil pessoas, segundo suas estimativas.
Lucio diz que ainda é viável produzir aqui válvulas com maior diferenciação. É o caso dos produtos fabricados por sua empresa, a RTS, que faz as chamadas válvulas borboleta. No entanto, para manter a competitividade, Lucio importa, desde o ano passado, um componente da China, o que lhe permitiu reduzir o preço final do produto de 20% a 30%. A parte de sua produção vendida para a Petrobras, porém, não leva essa peça, para garantir o índice de nacionalização exigido, de 90%.
O empresário relata que, mesmo com a redução de preços obtida com o componente chinês, conseguiu apenas manter o faturamento de 2010 no nível do de 2009, que ficou 40% abaixo do de 2008, por conta dos efeitos da crise. Lucio diz que demitiu 70 de seus 180 funcionários em 2009, mantendo desde então um quadro de 110 empregados. O empresário se queixa do custo dos insumos – “o quilo do aço inoxidável, que no Brasil sai por R$ 34, custa US$ 3 [pouco menos que R$ 5] na China” – e também do aumento dos custos salariais – em 2010, o reajuste dos trabalhadores da categoria foi de 9,52%. Com o câmbio valorizado e a carga tributária, fica difícil competir com os produtos, especialmente os chineses, diz ele.
A situação também é bastante complicada para os fabricantes de elevadores, diz Jomar Cardoso, presidente do Sindicato das Empresas de Elevadores de São Paulo (Seciesp). Segundo ele, 50% do que é vendido por aqui vem do exterior. “Em 2005, esse percentual ficava em 20% a 30%”, afirma, observando que há muitos componentes importados. “Em cinco anos, não haverá mais indústria brasileira de elevadores”, diz Cardoso, presidente da Elevadores Villarta.
Como no caso das válvulas industriais, Cardoso diz que os produtos chineses são extremamente competitivos no caso dos elevadores padronizados. Segundo ele, saem pela metade do preço de um fabricado por aqui, contando ainda com uma melhora expressiva de qualidade nos últimos anos.
A competitividade do produto brasileiro é maior em elevadores especiais. A Villarta faz hoje um de 10 toneladas para a Anglo American. A empresa, porém, também compra produtos mais padronizados da China, o equivalente hoje a 30% de suas vendas. “Em 2005, eu não importava quase nada. Em 2009, esse percentual já era de 20%. No fim deste ano, pode chegar a 50%.” Cardoso diz que a sua empresa conseguiu aumentar o faturamento em cerca de 20% em 2010, esperando crescer mais 15% neste ano, pelo menos. Hoje, a Villarta tem 55 funcionários, 30 a mais do que tinha em 2005. “Mas eu poderia ter o dobro se fabricasse tudo aqui”, afirma ele, para quem a indústria local deixou de aproveitar as oportunidades geradas pelo boom do mercado imobiliário.
“Dos 25 mil empregos que o setor gerava há cerca de 13 anos, hoje restam pouco mais de 10 mil vagas”, lamenta ele, apontando os pesados encargos trabalhistas e o câmbio valorizado no Brasil como dois dos grandes responsáveis pela falta de competitividade do produto brasileiro em relação ao chinês, que se beneficia também da enorme escala de produção.
Procuradas, as três maiores empresas do setor, as multinacionais Atlas Schindler, Otis e ThyssenKrupp, não se pronunciaram sobre importações. A Otis informou que “os dados não podem ser divulgados por questões estratégicas da empresa”. A ThyssenKrupp foi na mesma linha, dizendo que não “divulga informações de cunho estratégico”. A Atlas Schindler afirmou não fornecer dados sobre importações e exportações.
A concorrência chinesa também atinge as empresas filiadas ao Sindicato da Indústria de Artefatos de Ferro, Metais e Ferramentas em Geral no Estado de São Paulo (Sinafer), diz o presidente da entidade, Milton Rezende. Segundo ele, no caso de ferramentas simples, como martelo, chave de fenda e alicate, o custo do produto chinês pode ser de 50% a 70% mais baixo.
Também estão sofrendo muito as empresas que faziam a usinagem de peças para outros setores da indústria, como a automobilística e a de eletrodomésticos, afirma Rezende. As empresas desses segmentos, diz ele, passaram a importar boa parte dos componentes, diminuindo muito as encomendas no mercado interno.
Segundo Rezende, há casos de ferramentas de primeira linha fabricadas em países desenvolvidos, como EUA, Japão e Europa e 25% a 40% mais baratos que as produzidas no Brasil. Ele estima que 30% dos produtos vendidos hoje do setor são importados, dos quais dois terços devem vir da China. Há três anos, o percentual de bens vindos de fora não chegava a 10%, afirma Rezende, destacando o impacto negativo sobre o emprego. O segmento, que em 2008 empregava 282 mil trabalhadores no país todo, terminou 2010 com 265 mil. Também no setor a competitividade brasileira é maior em produtos um pouco mais diferenciados, como ferramentas de alta precisão.
Para Rezende e Cardoso, a situação de seus segmentos evidencia o processo de desindustrialização, com o avanço dos produtos estrangeiros, principalmente asiáticos, ganhando mais espaço e, com isso, reduzindo o nível de emprego.