No caso dos núcleos formados por casais com filhos, chefia feminina cresceu quatro vezes entre 1993 a 2006
Lígia Formenti, BRASÍLIA
A proporção de famílias formadas por casal com filhos e chefiadas por mulheres aumentou quatro vezes em 13 anos. Em 1993, 3,4% das famílias tinham esse formato. Em 2006, eram 14,2%, ou 2,25 milhões de famílias. Somando esse número ao de famílias chefiadas pela mulher, sozinha, a proporção de mulheres chefes de família cresceu 1,5 vez, de 19,7% para 28,8%.
Já o arranjo familiar formado por pai-filhos, chamado monoparental masculino, passou de 2,1% em 1993 para 2,7% em 2006. “Pode parecer um número tímido, mas chama a atenção. É um indício de que um processo de redefinição de papéis está em curso”, afirmou a pesquisadora Natália Fontoura ao explicar estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado ontem. “Vamos ver agora o que acontece nas próximas edições da análise.”
O trabalho é resultado parcial do 3º Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, elaborado com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Na versão preliminar, foram analisados dados de 1993 a 2006.
Enquanto o formato da família brasileira está se diversificando – com mais espaço para as famílias chefiadas por mulheres, por exemplo -, fora de casa, principalmente nas relações de trabalho, há uma repetição de padrões de desigualdade de gênero ou raça. “O nível de desigualdade se reduziu, mas em um ritmo muito menor do que o que seria considerado adequado”, disse o diretor do Ipea, Jorge Abraão.
NO MERCADO
As mulheres passaram a ter rendimentos maiores, mas ainda bem abaixo do obtido pelos homens. Em 2006, por exemplo, a renda média das mulheres era de R$ 577. Uma média superior da que havia sido alcançada em 1993 (R$ 561), mas ainda bem abaixo do que foi apresentado pelos homens no mesmo ano: R$ 885,56.
Além de receberem menos, mulheres ainda são as campeãs em média de horas semanais dedicadas a afazeres domésticos. Em 2006, mulheres disseram ter reservado 24,8 horas da semana para essas atividades. No mesmo ano, homens dedicaram 10 horas. Houve, no entanto, uma redução da jornada feminina em afazeres domésticos, já que em 2001 elas dedicavam 29 horas.
Separada do marido desde 1991, a engenheira química Marion Jungmann teve de voltar ao mercado de trabalho para manter a casa e as quatro filhas. Ela afirma que não teve dificuldade para encontrar um emprego, pois tinha formação universitária. “Mas, no início, a maior dificuldade foi conciliar a carga dobrada de trabalho em casa com meu novo emprego.”
No caso de Layla Santos de Alvarenga, que tem um filho de 2 anos, o pai da criança não assumiu as responsabilidades. “Sou pai e mãe dele”, afirma Layla. Ela está desempregada e diz que já sofreu discriminação por ser mulher e ter filho pequeno.
DIFERENÇA RACIAL
As diferenças são ainda mais acentuadas quando se analisa o quesito raça/cor. A população negra ingressa precocemente no mercado de trabalho e apresenta uma saída tardia. Em 2006, a taxa de participação no mercado de trabalho de meninos negros, com idade entre 10 e 15 anos, foi de 19,1%. Um índice 5% superior ao que foi apresentado por meninos brancos, na mesma faixa etária. “Os índices caíram, mas a distância entre brancos e negros continua intocada”, observou Natália.
Essa desigualdade é confirmada por todos os outros indicadores analisados, seja de acesso a serviços, de saúde, escolaridade ou vida profissional.
Para Abraão, os dados mostram que toda a sociedade se beneficiou com o processo de crescimento econômico registrado nos últimos anos. Mas de forma desigual. O diretor avalia que nem mesmo programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, foram suficientes para reduzir a distância entre brancos e negros na velocidade que era esperada.
“Há uma resistência cultural. Para superar os obstáculos, é preciso criar políticas específicas, ações afirmativas que induzam a redução da distância entre brancos e negros”, completou. A educação apresenta um exemplo claro dessa resistência. Negros e negras freqüentam menos escolas, apresentam menos anos de estudo e taxas de analfabetismo mais elevadas (mais informações nesta página).
Carlos Alberto de Oliveira, de 40 anos, é negro e só estudou até a 3ª série do fundamental. Ele precisou trabalhar para manter a família após a morte do pai. Hoje recolhe entulho para a Prefeitura de São Paulo e quer voltar a estudar.