Em 2003, Lula escolheu mulheres para 16% dos cargos de chefia e assessoramento; agora, índice sobe para 28%
Em termos numéricos, o boom na proporção feminina no governo é puxado pelo gabinete pessoal da presidente
BRENO COSTA – DE BRASÍLIA
Em seu primeiro mês de governo, a presidente Dilma Rousseff conseguiu imprimir pelo menos uma diferença em relação ao padrinho político Lula, além do estilo mais técnico e reservado: a nomeação de mulheres no segundo escalão da administração federal cresceu 75%.
Para chegar ao índice, a Folha fez um levantamento considerando todas as nomeações publicadas em “Diário Oficial” desde 1º de janeiro para cargos de chefia e direção de autarquias e estatais e para os DAS (cargos comissionados) níveis 5 e 6 na administração federal.
Até 4 de fevereiro de 2003, o ex-presidente Lula ou seu então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, assinaram apenas 44 nomeações de mulheres para esses cargos, num universo de 271 atos publicados em “Diário Oficial”.
A participação feminina representava, portanto, 16,2% do total.
Com Dilma, o número de mulheres nomeadas no mesmo período é de 68, mas num total menor de nomeações (240).
Ou seja, 28,3% das nomeações de Dilma para o segundo escalão do governo é de mulheres.
META
Durante o governo de transição, a presidente tinha estipulado informalmente uma cota feminina para a formação de seu ministério.
Pelo plano inicial de Dilma, um terço das 37 pastas do governo deveriam ser chefiadas por mulheres.
Em termos numéricos, o boom na proporção feminina no novo governo é puxado pelas nomeações para o gabinete pessoal da presidente.
São nove mulheres já nomeadas por Dilma como suas auxiliares diretas, em cargos de assessoramento DAS 5 e 6.
Ao todo, as nomeações de mulheres já atingiram 25 dos 37 ministérios do governo Dilma Rousseff.
No primeiro mês do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, foram 18 as pastas contempladas com participação feminina.
MINAS E ENERGIA
Apesar do aumento no número de mulheres no segundo escalão do governo, um dado curioso é que, no Ministério de Minas e Energia, pasta sobre a qual a presidente detém maior influência técnica, não houve nomeação de nenhuma mulher em cargos de peso neste primeiro mês de governo.
A pasta, comandada por Edison Lobão (PMDB-MA), mantém cinco mulheres num total de 42 altos cargos no ministério -11% do total.
Análise
A “ausência” das mulheres na política e a cidadania incompleta
MARLISE MATOS – ESPECIAL PARA A FOLHA
O exercício dos mais diversos campos da política, numa situação de quase ausência das mulheres, constitui-se num desafio.
Algumas das concepções que nortearam as democracias ocidentais definiram espaços, construíram direitos assimetricamente para homens e mulheres.
Segundo a União Interparlamentar (IPU, 2009), a situação mundial da representação feminina é questão séria em todo o mundo: a média de mulheres nos Parlamentos é de apenas 18,6%, combinando-se as duas Câmaras.
O Brasil permanece praticando parcos 9% de mulheres na Câmara dos Deputados e, internacionalmente, se iguala aos países árabes.
No Poder Executivo, temos os mesmos pífios 9% de mulheres em prefeituras e 11% delas são governadoras de Estados.
Ao longo de 74 anos (1936-2010), a representação feminina passou de 1% para 9%: com todas as intensas transformações ocorridas no Brasil ao longo deste mesmo período é extremamente desproporcional a participação político-institucional das mulheres, contrastando com a sua significativa presença em outras áreas.
Nos países em desenvolvimento como o Brasil, a pesquisa sobre o impacto de mulheres em governos ainda é uma área de investigação completamente nova.
DILMA
Entendo que o governo Dilma Rousseff começa a criar as condições para movimentar tal situação, já que parece clara sua sensibilidade de que uma ausência permanente e continuada das mulheres dos espaços decisórios é um aspecto determinante da pior qualidade do nosso processo democrático.
Nossa cidadania política está inconclusa, pois praticamos um jogo político-representativo quase na ausência das mulheres de seu cenário, sendo este um elemento comprometedor de nossa consolidação democrática, ademais de uma barreira invisível ao nosso desenvolvimento.
Tal espaço necessita das contribuições fundamentais das mulheres organizadas, e não apenas das ações de nossa presidente, ainda que estas sejam, claro, muito bem-vindas.
MARLISE MATOS é chefe do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da universidade. Publicou “Reinvenções do Vínculo Amoroso” (UFMG) e “Enfoques Feministas e os Desafios Contemporâneos” (UFMG)