Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos

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Lobby do amianto gasta US$ 100 milhões

Rede de apoio tenta preservar o mercado do minério, carcinógeno com uso já proibido ou restrito em 52 países

Especialistas alertam para futuras epidemias de câncer; no Brasil, alguns Estados limitam uso e venda do produto

JIM MORRIS
DA BBC/ICIJ, ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma rede mundial de grupos de lobby gastou quase US$ 100 milhões desde a metade dos anos 80 para preservar o mercado internacional de amianto, carcinógeno conhecido que já tirou milhões de vidas e tem seu uso proibido ou restrito em 52 países.

A constatação é do International Consortium of Investigative Journalists, após nove meses de investigação.

No Brasil, a venda e o uso de amianto têm restrições legais em alguns Estados.

Com apoio de verbas públicas e privadas e a assistência de cientistas e governos aliados, os grupos facilitaram a venda de 2 milhões de toneladas de amianto em 2009. Segundo o Chrysotile Institute, sediado em Montréal (Canadá), o produto pode ser usado em segurança em condições “controladas”.

Especialistas alertam sobre futuras epidemias de câncer de pulmão, asbestose e mesotelioma, câncer que costuma atacar o revestimento dos pulmões, no mundo. “O amianto não pode ser usado de maneira segura.

Mata pessoas”, diz Jukka Takala, diretor da Agência de Segurança e Saúde no Trabalho e ex-dirigente da OIT.

PESQUISAS

A indústria tenta proteger as vendas da fibra bruta do amianto e dos produtos com ele fabricados, como canos.

Cientistas bancados pelo setor dizem que o crisotilo ou amianto branco, único à venda hoje, não é tão perigoso.

“É muito barato. Se tentarem reconstruir o Haiti sem amianto, o custo será muito maior. Quaisquer efeitos sobre a saúde serão triviais, se é que existirão”, diz J. Corbett McDonald, da Universidade McGill, em Montréal.

Especialistas em saúde pública, porém, dizem que as medidas de proteção aos trabalhadores por parte das empresas são incomuns nos países em desenvolvimento. Clement Godbout, presidente do Chrysotile Institute, rebate os críticos: “Dizemos que o crisotilo é um produto com risco potencial e que é preciso controlar esse risco.

Não é algo que se deva adicionar ao café toda manhã”.

No Brasil, o Instituto Brasileiro do Crisotilo, que se descreve como grupo de interesse público e tem isenção tributária, nega servir à indústria. O instituto diz “garantir a saúde e a segurança de trabalhadores e usuários”.

Esta história é parte de uma investigação conjunta conduzida pelo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) e pela BBC News. Colaboraram ANA AVILA, na Cidade do México; DAN ETTINGER, em Washington; MURALI KRISHNAN, em Nova Delhi; ROMAN SHLEYNOV, em Moscou; e MARCELO SOARES, em São Paulo.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

Leia a íntegra da reportagem
folha.com.br/ct769742

“Erin Brockovich” combate o setor no país

DA BBC/ICIJ, ESPECIAL PARA A FOLHA

Fernanda Giannasi brinca sobre a reputação que adquiriu no setor de amianto: “Não tenho nome. Sou chamada de “aquela mulher´”.

Fiscal do Ministério do Trabalho, Giannasi há um quarto de século vem tentando impedir que o setor opere. Ela diz que o amianto branco minerado em Goiás custou um número incontável de vidas e continuará a fazê-lo a menos que seu uso seja proibido.

Giannasi, 52, tem muitos admiradores na comunidade mundial da saúde pública.

Um médico local a define como “a Erin Brockovich brasileira”, alusão à ativista que trabalhava num escritório de advocacia dos EUA e denunciou um caso de poluição de água pela Pacific Gas & Electric, que inspirou um filme.

Mas as pessoas que ela de fato representa vivem em lugares como Osasco (Grande SP), que abrigou por 54 anos a mais notória fábrica brasileira de cimento feito de amianto. A fábrica, da Eternit, foi aberta em 1939 e vivia repleta de fibras de amianto, afirmam antigos operários.

Eliezer de Souza, 68, trabalhou lá de 1968 a 1981. “A poeira estava em toda parte”, diz. Os operários não tinham proteção até 1977, quando receberam máscaras de papel, afirma Souza, que em 2000 teve pequenos tumores removidos da pleura, membrana que recobre os pulmões.

Uma porta-voz da Eternit se recusou a comentar.

O objetivo final do trabalho de Giannasi, a proibição federal ao uso de amianto, parece inatingível. Ainda assim, “a situação seria muito pior se ela não estivesse trabalhando nisso”, diz Eduardo Algranti, diretor da Fundacentro, que assiste trabalhadores doentes. (JM)

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

Projeto banindo produto tramita desde 1996

DE SÃO PAULO

Algumas cidades e Estados brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, restringiram o uso do amianto por meio de leis locais.

Em termos nacionais, algumas iniciativas correm no Congresso. Mas estão longe de uma decisão.

Desde 1996, por exemplo, tramita em Brasília um projeto de lei do então deputado Eduardo Jorge (atual secretário de Meio Ambiente de São Paulo) e de Fernando Gabeira (PV).

A ideia é banir o uso, a extração e a produção do amianto em todo o país.